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Novo cenário industrial da transição energética

O investimento na transição energética excedeu US$ 1,1 trilhão de dólares em 2022, alcançando pela primeira o mesmo valor do investimento na exploração de petróleo e gás e na inabalável geração de energia baseada em combustíveis fósseis. O investimento aumentou ­­­mais de 30% na comparação anual, com um crescimento de 17% no investimento em energias renováveis e 54% no investimento em transportes elétricos.

Um fator da transição energética está crescendo ainda mais rápido do que as receitas: o investimento em fábricas que produzem os módulos solares, turbinas eólicas, baterias e eletrolisadores instalados em redes e sistemas em todo o mundo. O investimento em fábricas de tecnologia limpa atingiu pouco menos de US$ 80 bilhões em 2022, um crescimento de 44% em relação ao ano anterior, e um aumento de quatro vezes desde 2018. Os recentes desenvolvimentos de políticas industriais globais sugerem que o valor alcançado no ano passado é apenas o início de uma longa expansão nas maiores economias do mundo.

Hoje, o investimento em produção de energia limpa está fortemente concentrado em alguns setores. Dois produtos, baterias e módulos solares, responderam por 88% do investimento total em 2022, contra 95% em 2019. O investimento em energia eólica offshore cresceu de US$ 800 milhões para US$ 5,8 bilhões em cinco anos, o setor onshore foi de US$ 900 milhões para US$ 2,6 bilhões, e os eletrolisadores foram de zero em 2020 a US$ 800 milhões em 2022, mas esses setores representam uma parcela muito pequena do total de investimentos em expansão.

Se a expansão da produção de tecnologia limpa foi em apenas alguns setores, no fator geográfico a concentração foi ainda maior, ficando centralizada em um único mercado — a China. Há cinco anos, a China tinha mais de 77% do total de investimentos em produção; no ano passado, ela recebeu mais de 90% do investimento em um mercado quatro vezes maior que em 2018. A crise causada pelo Covid-19 reduziu significativamente a velocidade da China em 2021, com a Europa recebendo quase um quarto dos investimentos naquele ano. Mas, com a exceção de 2021, o investimento da China em capacidade produtiva de tecnologia limpa nos últimos anos está entre 8 e 10 vezes maior que na América do Norte e na Europa juntas.

Com a aprovação da Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), a produção de tecnologia limpa nos EUA foi fortalecida. Os setores de automóveis e baterias nos EUA anunciaram US$ 52 bilhões de investimentos em novas fábricas desde a aprovação da lei em agosto de 2022, com metade desse valor sendo apenas para a produção de baterias. Esse valor é mais de 20 vezes o anunciado em 2021. Conforme disse em março o CEO da marca Scout, da Volkswagen, quando anunciou sua fábrica de US$ 2 bilhões na Carolina do Sul, “nunca houve uma época melhor para construir uma fábrica na América”.

A IRA e a Lei de Ciência e CHIPS (visando aumentar a competitividade dos EUA em semicondutores) não apenas reescreveram a legislação, elas mudaram onde e como as empresas investem. Os prazos longos dos mecanismos de apoio da IRA deram confiança aos fabricantes para planejarem suas expansões por vários anos, e o potencial total dos mercados de equipamentos de geração de energia limpa, eletrolisadores de hidrogênio e veículos elétricos é grande o suficiente para absorver essa grande expansão.

A política industrial generosa dos EUA e a velocidade com que ela impulsionou os compromissos de investimento não passaram despercebidas, principalmente na Europa. Em janeiro deste ano, autoridades da União Europeia estavam preocupadas com o fato da IRA basicamente discriminar as empresas da UE. A UE respondeu criando a sua própria regulamentação.

No mês passado, a União Europeia anunciou o Ato Legislativo Indústria de Impacto Zero (NZIA, na sigla em inglês), que Antoine Vagneur-Jones, chefe de análises de comércio e cadeias de suprimentos da BloombergNEF, descreve como o “grito de guerra” do bloco para a transferência da produção de energia limpa para a região. (Clientes da BNEF podem ver o relatório completo aqui). O NZIA estabelece um objetivo mínimo de que as fábricas da UE consigam atender 40% da demanda por produtos-chave, como módulos solares, turbinas eólicas, baterias e eletrolisadores de hidrogênio. A legislação deve passar por um processo legislativo da UE de um ano (ou mais).

O NZIA é um anúncio relevante, mas no momento é mais um objetivo do que um mecanismo de apoio. Antoine aponta um conjunto de desafios que dificultarão o alcance dessa meta de 40% da UE. Alguns são inerentes à natureza da governança fragmentada da UE, onde os países ainda têm uma influência significativa nos mecanismos de apoio e planejamento. Os EUA, em contrapartida, coordenaram créditos fiscais federais, válidos em qualquer local do país. Outros desafios são estruturais, principalmente pelo fato de o NZIA aderir à lei da Organização Mundial do Comércio, um forte contraste com a IRA. A adesão à OMC complica os esforços para definir requisitos locais.

E, o mais importante, alcançar os objetivos da UE terá um custo. Atender 40% da demanda da UE por baterias, painéis solares e eletrolisadores de hidrogênio exigirá mais de US$ 70 bilhões de investimentos em capacidade produtiva entre hoje e 2030, sendo mais de US$ 50 bilhões apenas na cadeia de suprimentos de baterias.

Além disso, a implantação terá despesas adicionais devido aos custos estruturalmente mais altos para equipamentos fabricados na UE: um adicional de US$ 12 bilhões por ano para baterias e US$ 3 bilhões por ano para eletrolisadores de hidrogênio.

As baterias ilustram claramente o custo de oportunidade ao investir em uma capacidade produtiva substancial na UE. Hoje, as baterias feitas na Europa são 33% mais caras do que as feitas na China. Mesmo na hipótese de que os custos de produção diminuam conforme a curva de experiência histórica de 17%, atender toda a demanda da UE com baterias fabricadas internamente custaria US$ 11,9 bilhões a mais por ano em 2030.

Esse custo adicional não pode ser ignorado. Os custos mais altos de equipamentos também implicam em um custo maior para a eletricidade armazenada em aplicações estacionárias, e um preço mais alto para automóveis. Esses custos serão compartilhados entre milhões de compradores de veículos e centenas de milhões de consumidores de energia elétrica, mas eles serão reais.

As principais medidas de política industrial em andamento nos EUA e na UE têm o potencial de transformar o cenário de produção de tecnologia limpa de cada país ou bloco. Nos EUA, os incentivos da IRA já incrementaram a capacidade de produção, que não poderia ser alcançada de outra forma. A combinação da previsão de demanda e créditos fiscais claros e acessíveis para apoiar a produção está mostrando resultado.

As iniciativas da UE ainda estão em fase inicial e podem enfrentar mais desafios no futuro. O primeiro obstáculo é a grande escala da importação atual, principalmente de painéis solares. Entre janeiro e novembro de 2022, 95% das importações de módulos solares da UE vieram da China continental. E sem o mesmo tipo de créditos vinculados à produção que os EUA estão implementando, os investidores podem não enxergar um apoio de longo prazo suficiente para alocar capital na expansão.

Por fim, dado o clima político atual, é improvável que os EUA e a UE se tornem potências exportadoras de equipamentos de energia limpa tão cedo. Com a China e o leste e sudeste asiático aumentando a produção, um objetivo mais realista para as nações ocidentais poderia ser simplesmente atender à demanda local com a produção local, afinal, a demanda está pronta para crescer substancialmente em todos os lugares. Os fabricantes dos EUA e da UE teriam muito o que aproveitar concentrando-se em seus próprios umbigos.

Sobre BloombergNEF

A BloombergNEF (BNEF) é uma fornecedora de pesquisas estratégicas que cobre os mercados globais de commodities e as tecnologias disruptivas que impulsionam a transição para uma economia com baixa emissão de carbono. Nossa cobertura especializada avalia os caminhos percorridos pelos setores de eletricidade, transporte, construção, agricultura e industrial para se adaptar à transição energética. Ajudamos os profissionais de negociação de commodities, estratégia empresarial, finanças e políticas a lidar com as mudanças e criar oportunidades.

Fonte: Blooberg